I) O contrato de garantia autónoma é um negócio atípico, inominado, que o princípio da liberdade contratual – art. 405º, nº1, do Código Civil – consente. Com base nesse contrato, o garante, em regra um Banco, obriga-se a pagar a um terceiro beneficiário certa quantia, verificado o incumprimento de um contrato-base, sendo mandante ou ordenante o devedor nesse contrato.
II) A independência do contrato de garantia autónoma em relação ao contrato-base é um dos traços distintivos da garantia bancária e uma das características que lhe conferem autonomia, que na fiança não existe por esta ser caracterizada pela acessoriedade. A característica da autonomia é mais patente quando a garantia deva ser prestada à primeira solicitação, “on first demand”.
III Na garantia autónoma o garante não pode, em regra, opor ao garantido (beneficiário) os meios de defesa ou excepções decorrentes das relações credor-devedor no contra-base, ao invés do que sucede na fiança, aí o fiador pode opor ao credor, não só os meios de defesa que lhe são próprios, como também os que competem ao devedor/afiançado.
IV O pagamento à 1ª solicitação (on first demand), assumido pelo garante, implica a sua obrigação de pagar ao beneficiário a indemnização objecto da garantia, não podendo opor-lhe quaisquer excepções reportadas à relação principal (contrato-base), a menos que haja evidentes e graves indícios de actuação de má fé, nela se incluindo a conduta abusiva do direito.
V Valendo a garantia autónoma durante o período de vigência do contrato-base e não podendo o garante invocar, as relações entre credor e devedor nesse contrato, não se compreende que o garante, quando interpelado pelo beneficiário possa invocar que a garantia caducou pelo simples facto deste, ante o incumprimento do devedor/ordenante, tenha exigido o pagamento da garantia após a cessação do contrato-base.
VI. In casu a exigência da garantia, depois de cessado o contrato-base, está justificada pela necessidade de, entre o credor e o devedor no contrato-base ter sido acordado que haveria um prazo para acerto de contas, após a revogação do contrato, o que seria decisivo para que o credor/beneficiário da garantia pudesse exigir ao garante a quantia devida pelo incumprimento.
VII. Não se afigura lesiva da boa fé, que na ausência de qualquer prazo para que o beneficiário reclamasse do garante o seu direito, se deva considerar que existe um prazo de caducidade no contrato de garantia para o exercício do direito do beneficiário, sobretudo, se, como é inerente aos contratos em causa (credor-devedor no contrato-base, e na relação entre o ordenante e o garante), o beneficiário, além de ter um fundamento para não reclamar logo o quantum da garantia, mais não pede que aquilo que, inquestionavelmente, resulta do incumprimento pelo devedor no contrato-base reportado ao tempo por que este vigorou.
VIII. Com a celebração do contrato de garantia autónoma, nenhum crédito nasce no momento da celebração do contrato para o beneficiário, mas não deixa de existir um seu direito subjectivo logo que verificado o incumprimento do ordenante/devedor, o que implica a sua protecção, ainda que no mero domínio da expectativa jurídica do seu potencial direito de crédito, pois o beneficiário sabe que, em caso de incumprimento pelo ordenante seu devedor, obterá imediatamente do garante o pagamento do crédito tão logo o solicite, fazendo prova, em regra, documental do inadimplemento.
IX. O não exercício do direito pelo beneficiário em relação ao garante, na vigência do contrato, ante o incumprimento evidenciado pelo devedor-ordenante que só pôde ser quantificado após a cessação do contrato-base, não demonstra ter havido por parte de beneficiário abuso evidente, nem manifesta fraude ou lesão do princípio da boa fé, pelo que a recusa do garante exprime incumprimento do contrato de garantia.