I – O recorrente foi condenado em 1.ª instância pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sob a condição de nesse período pagar os tributos em falta, mais legais acréscimos, decorrentes da prática do crime em causa (IRC referente aos anos de 2009 a 2012), decisão que o Tribunal da Relação confirmou integralmente.
II – É patente a inadmissibilidade de recurso daquele acórdão, conforme disposto nos artigos 399.º, 400.º n.º 1, alínea e), e 432.º n.º 1 alínea b), do CPP, no tocante à condenação na pena de dois anos de prisão e suspensão da sua execução pela prática do crime de fraude fiscal qualificada, por ter sido tirado em recurso, por ter recaído sobre acórdão de 1ª instância que já condenara o recorrente na mesma pena de prisão e na mesma pena subsidiária, pena essa não superior a cinco anos de prisão, decorrendo a irrecorribilidade igualmente do preceituado na alínea f) do n.º 1 do citado artigo 400.º: confirmação pela Relação da decisão condenatória em 1.ª instância e pena inferior a 8 anos de prisão – dupla conforme.
III – A irrecorribilidade é extensiva a toda a decisão, aí se incluindo as questões relativas a toda a actividade decisória que lhe subjaz e que conduziu à condenação, nela incluída a da fixação da matéria de facto.
IV – Perante a inadmissibilidade do recurso ordinário para o STJ, acciona o recorrente recurso de revista excepcional, entendendo que «o caso vertente […] configura questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, isto para além de estarem nestes autos em causa interesses de particular relevância social, o que permite o enquadramento da questão decidenda, por apelo ao disposto no art. 4º do Código de Processo Penal e art. 672º, nº 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, em sede de recurso extraordinário de revista excepcional».
V – O artigo432.º do CPP delimita exaustivamente os casos de recurso para o STJ, sendo que a vigente lei processual penal contempla taxativamente os recursos extraordinários previstos, quais sejam, o recurso para fixação de jurisprudência, o recurso interposto de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigos 437.º e 446.º do CPP) e o recurso de revisão (artigo 449.º do CPP), não prevendo a revista excepcional sobre objecto penal.
VI – Tendo o regime processual dos recursos penais sido autonomizado no Código de 1987, só em caso de lacuna do regime processual penal, que careça de integração, é lícito ao intérprete socorrer-se dos atinentes preceitos processuais civis (art. 4.º do Código de Processo Penal).
VII – No caso presente, não se nos afigura que se possa afirmar a existência de uma lacuna que careça de ser integrada. As necessidades de certeza e segurança do direito obrigam o legislador a uma «hierarquização de valores», originando a exclusão de situações que, embora alguns possam considerar carecidas de tutela, não foram realmente na hipótese contempladas. Pelo que, nesta perspectiva, o intérprete terá de presumir, em princípio, que o legislador elaborou um «sistema completo», não podendo, sem risco de subversão das regras hermenêuticas, recuperar por sua conta aquelas situações.
VIII – Perante a autonomia que passou a ser conferida ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal em caso de inadmissibilidade do recurso quanto à matéria penal (artigo 400.º, n.º 3, do CPP), é manifesto que existem fundamentos bastantes para tornar compreensível e justificar a aplicação subsidiária das normas do processo civil quanto ao recurso relativo ao objecto civil enxertado no processo penal, daí que se justifique a aplicação subsidiária das pertinentes normas do processo civil quanto ao recurso restrito à matéria cível, nomeadamente a aplicação dos pressupostos da sua admissibilidade em geral (artigo 629.º, n.º 1, do CPC), dos pressupostos de admissibilidade da revista e da dupla conformidade (artigo 671.º, n.ºs 1 e 3, do CPC) e, por fim, dos pressupostos revista excepcional (artigo 672.º do CPC).
IX – Já relativamente à matéria penal, ao objecto penal tramitado no processo penal, observa-se a inaplicabilidade das normas processuais civis relativamente aos recursos aí interpostos e, muito em particular, aos recursos interpostos perante o STJ. Neste ponto, o regime jurídico-processual dos recursos e respectivas espécies, consagrado no CPP pauta-se pela suficiência (princípio da auto-suficiência), é taxativo, exaustivo e completo.
X – Ora, reafirmando-se, o regime processual penal português vigente não prevê a existência do recurso de revista excepcional em matéria penal, não se vislumbrando, ao invés do que o recorrente pretende, razões ou fundamentos que permitam concluir no sentido de o sistema jurídico reclamar, por via interpretativa ou integrativa, a aplicabilidade do recurso à revista excepcional para ultrapassar os efeitos decorrentes de duas decisões conformes (da 1.ª instância e da Relação) quanto ao objecto penal.
XI – Tal recurso constitui, pois, meio que a lei não admite para, como pretende o recorrente, reavivar e pôr em causa a matéria de facto definitivamente fixada nas instâncias e a forma como ela foi valorada em termos de convicção probatória pelo que, dada a sua inadmissibilidade legal, o recurso é rejeitado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP.